segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A CONDESSA

As gentes de Castro sempre ouviram falar de uma tal Condessa que teria haveres fundiarios nos arredores da vila e dela seria um poço situado logo abaixo do Largo da Feira , assim como, toda a zona urbanizada, pelo Bairro da Condessa. Trata-se da Condessa de Avilez a cujo propósito transcrevemos o testamento seguinte: 1 Testamento de José Joaquim Salema de Andrade Guerreiro de Aboim Nota introdutória No dia 9 de maio de 1856, o escrivão da Administração do Concelho de Castro Verde, Manuel da Mata Janeiro, deslocou-se ao Palácio da Carreira, em Santiago do Cacém, para redigir o testamento do fidalgo José Joaquim Salema de Andrade Guerreiro de Aboim que, por essa altura, já se encontrava bastante doente e acamado. Esta é a génese do documento agora em análise que, além da importância histórica do testador para Santiago do Cacém, contribui para um melhor conhecimento da evolução de algumas propriedades rurais e edifícios históricos do concelho, explicando igualmente as razões por que a poderosa família dos Condes de Avillez se instalou em Santiago do Cacém em meados do século XIX. 2 José Joaquim Salema de Andrade Guerreiro de Aboim – Breve biografia José Joaquim Salema de Andrade Guerreiro de Aboim nasceu em 1782, em Santiago do Cacém, sendo batizado no oratório da casa de seus pais, na mesma localidade, em 2/9/1782. Foi sua madrinha D. Madalena Vicência de Mascarenhas, filha do 3.º marquês de Fronteira e viúva de Luís Guedes de Miranda Henriques, senhor de Murça e 8.º morgado do vínculo instituído pelos Pantoja em Santiago do Cacém1. Seu pai, José Joaquim Salema de Andrade, então capitão-mor de Santiago do Cacém, era o 6.º morgado do vínculo dos Raposos e sua mãe, D. Maria Perpétua Rosa de Aboim Guerreiro, era filha do capitão-mor de Mértola, João Camacho Guerreiro de Aboim, senhor da Casa de Espargosa. Os dois vínculos acabariam por ser herdados por José Joaquim Salema de Andrade Guerreiro de Aboim. A família Salema de Andrade possuía as terras da Carreira junto ao secular arruamento do mesmo nome que, no início do século XX, receberia o nome “Rua Condes de Avillez” e onde o 6.º morgado dos Raposos mandaria construir, 3 anos depois do nascimento do filho, o Palácio da Carreira, o mais belo edifício neoclássico do Centro Histórico de Santiago do Cacém. Esta casa seria herdada, ainda em construção, por José Joaquim Salema de Andrade Guerreiro de Aboim, que concluiu a obra em 1808. Neste último ano, José Joaquim de Aboim ocupava o cargo de capitão-mor de Santiago do Cacém (tal como o seu pai e o seu avô antes dele), tendo sido eleito, pelos três estados (clero, nobreza e povo), como presidente da Junta de Governo de Santiago do Cacém, que organizou a resistência contra os invasores franceses entre a margem sul do Rio Sado e Sines. Ocupou diversos cargos públicos na vila de Santiago do Cacém, incluindo a presidência da Câmara, que exerceu várias vezes. Distinguiu-se durante as lutas pela implantação do liberalismo, tendo perfilhado, depois da Guerra Civil de 1832-34, os ideais setembristas, da ala mais à esquerda no espectro político liberal. Estava alinhado neste partido durante a Guerra Civil Patuleia (1846-1847), tendo sido, junto com o seu sobrinho conde de Avillez, um dos mais ilustres membros deste movimento em Santiago do Cacém, alvo da vigilância constante das forças cartistas e cabralistas. José Joaquim de Aboim foi um homem de grande cultura e sensibilidade artística, senhor de uma imensa fortuna fundiária. Faleceu solteiro, no seu Palácio da Carreira, em 9/4/1862. 1 Ver O Morgadio dos Pantoja em: http://www.cm-santiagocacem.pt/viver/Cultura/EspacosCulturais/ArquivoMunicipal/Documents/estudo_matriz_morgadio_pantoja.pdf 3 O Testamento José Joaquim Salema de Andrade Guerreiro de Aboim começou por ditar, ao escrivão Manuel da Mata Janeiro, como era normal neste tipo de documentos, um conjunto de obrigações pias, materializadas em missas, tanto pela sua alma, como pela dos seus familiares mais próximos e já falecidos. Designou, para seu testamenteiro, o sobrinho, por afinidade, Jorge de Avillez Juzarte de Sousa Tavares, 2.º conde de Avillez, que devia zelar pelo cumprimento integral das suas últimas vontades. Mais adiante, indica que, por eventual impedimento deste primeiro testamenteiro, nomeava o 3.º conde de Avillez, Jorge Salema de Avillez Juzarte de Sousa Tavares, se este, ao tempo do seu falecimento, “ (…) tiver já a idade legal (…)”2. Os principais herdeiros designados no seu testamento eram os filhos da sua falecida sobrinha, D. Maria Francisca Mafalda Rita Salema de Andrade Vila Lobos Guerreiro de Aboim, e de seu esposo, o 2.º conde de Avillez: Jorge, 3.º conde; José Maria Salema de Avillez e D. Maria Francisca Salema de Avillez. Ao primeiro, que indicava por imediato sucessor dos vínculos de que era administrador, deixava ainda os bens que, não estando vinculados, andavam juntos à Casa de Espargosa; a Herdade da Tissona, em Castro Verde e metade da Quinta do Rio da Figueira, junto à vila de Santiago do Cacém, com a obrigação de que nunca poderia ser arrendada a outro que não a José Maria Salema de Avillez. José Maria Salema de Avillez herdava o Palácio da Carreira, designado como a sua Casa Nobre, “ (…) com todas as suas pertenças e ferre-/ jaes a ella annexas (…)”3; recebendo ainda, em Santiago do Cacém, a Courela Grande “ (…) nos Coutos d’esta Villa (…)”4, a Courela do Fidalgo e a das Vinhas, assim como o Pomarinho, o Monte do Alto e todos os foros que cobrava por habitações e terras que possuía em Santiago do Cacém. Neste concelho, José Maria de Avillez herdava também a Quinta das Relvas em S. Bartolomeu “ (…) dita da Mattinha (…)”5, assim como as herdades do Telheiro, do Vale da Cruz e do Viegas. Finalmente, este herdeiro recebia ainda todos os bens e rendimentos que José Joaquim Guerreiro de Aboim possuía em Serpa. D. Maria Francisca Salema de Avillez herdava as herdades do Monte Velho e da Ortiga, o palácio na Lapa, em Lisboa, e a Quinta da Ferraria em Óbidos. A criadagem era contemplada no testamento, deixando disposto que todos “(…) os/ Criados que se acharem servindo a/ sua caza na epocha do seu falle-/ cimento (…)”6 deveriam 2 PT/AMSC/AL/CMSC/B-A/001/3/f.39v. 3 Idem, f. 37v. 4 Ibid. 5 Ibid. f. 38. 6 Ibid. f. 39. 4 receber 9.600 réis cada um. No entanto, alguns eram contemplados com especial atenção: à “ (…) Criada Antonia que/ serve ha mais de trinta annos (…)”7, seu sobrinho-neto, 3.º conde de Avillez, ficou obrigado a fornecer anualmente três quarteiros de trigo, um porco de cinco arrobas e cinco alqueires de azeite; à criada Maria da Conceição ficava José Maria Salema de Avillez com semelhante obrigação, devendo também fornecer anualmente um quarteiro de trigo a outra criada de nome Maria Francisca, que devia ter o usufruto vitalício de uma habitação que o testador possuía na aldeia de S. Bartolomeu da Serra. Por último, a criada Matilde, residente no Monte do Viegas, era contemplada com o usufruto vitalício de uma casa na aldeia de S. Domingos, ficando o 3.º conde de Avillez obrigado a fornecer-lhe anualmente um quarteiro de trigo. O testamento faz ainda referência a uma outra herdeira, Catarina Maria Francisca, afilhada de Joaquim Francisco Salema de Andrade Guerreiro de Aboim, irmão mais novo do testador. Esta recebia uma casa na rua Direita, na vila de Santiago do Cacém, e a Quinta Velha nos arredores. Recebia também as herdades de Vale de Cativos e Alcarial em S. Domingos. Manuel do Espírito Santo Guerreiro, futuro marido de Catarina e pai da poetisa Alda Guerreiro, é também referido no testamento, ficando o 3.º conde de Avillez obrigado a pagar-lhe a remuneração devida pelo seu trabalho. Os afilhados do testador, não identificados no documento8 que apenas utiliza a expressão: “(…) deixa/ a todos os seus afilhados (…)9”, deveriam receber a soma de 19.200 réis. Finalmente, José Joaquim de Aboim deixava disposto que, no dia do seu funeral, fossem distribuídas esmolas pelos pobres “(…) de vinte cinco a/ trinta moedas de quatro mil e oito/ centos reis.”10, assim como que fossem distribuídos, em partes iguais, três moios de trigo, no Monte da Espargosa, na vila de Castro Verde e na vila de Santiago do Cacém. 7 Ibid. f. 37v. 8 Dos três herdeiros principais, só o 3.º conde de Avillez não era diretamente afilhado do testador, mas fora este que representara a madrinha, Nossa Senhora do Monte, na cerimónia de batismo. 9 Ibid. f. 39. 10 Ibid. f. 38v. 5 Conclusão José Joaquim Salema de Andrade Guerreiro de Aboim era o último da sua linhagem e, dos seus quatro irmãos, só D. Mariana Rita Salema de Andrade Vila Lobos Guerreiro de Aboim tinha descendência: Maria Francisca Mafalda Rita Salema de Andrade Vila Lobos Guerreiro de Aboim, nascida do casamento com João de Aboim Pereira Guerreiro, Juiz de Fora de Santiago do Cacém. D. Maria Francisca Mafalda Rita Salema de Andrade Vila Lobos Guerreiro de Aboim, condessa de Avillez, viria a morrer antes de seu tio, pelo que os bens da Casa dos Salema de Andrade, de Santiago do Cacém, e dos Guerreiro de Aboim, de Mértola, acabariam por ir parar à posse dos seus filhos. Dos três sobrinhos-netos do testador, apenas o conde de Avillez optaria por manter residência em Santiago do Cacém, adquirindo alguns dos bens herdados pelo seu irmão José Maria. A Quinta do Rio da Figueira, hoje parque urbano, passaria, a partir daqui, a estar associada aos condes de Avillez e ao seu herdeiro Jorge Ribeiro de Sousa. José Maria de Avillez acabaria por vender a Quinta das Relvas, em S. Bartolomeu, com o seu belo e emblemático edifício, ao fidalgo José de Sande Champalimaud. O Palácio da Carreira também não tardaria a ser vendido. No início do documento em análise, José Joaquim de Aboim expressa a intenção de mandar construir uma capela junto ao Palácio da Carreira, para nela ser sepultado. Porém, não há memória da construção do edifício e o corpo do Capitão-Mor acabaria por ser sepultado no túmulo brasonado que o próprio mandara edificar no cemitério do Castelo para sepultar sua irmã D. Mariana Rita, e onde também repousava seu irmão Joaquim Francisco Salema de Andrade Guerreiro de Aboim. Gentil José Cesário/CMSC – 2013.

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