PAU ROXO
Ao redor de Castro , em lugares definidos por razões ocultas, erguem-se
capelas, igrejinhas que resistem há muitos séculos ao esmeril do tempo e ao
esquecimento dos devotos que as ergueram
e branqueavam de cal pelo menos uma vez em cada ano, por ocasião da festa do
patrono respectivo.
A escolha do sítio onde foram implantadas resulta ,na
maioria dos casos, da preexistência no mesmo lugar de altares ou simples
práticas de culto a divindades que os povos de antanho reconheciam como suas protectoras, antes da vinda e acampamento dos cristianos.
Assim foi em S. Pedro
das Cabeças, assim terá também sido em S.Martinho e quem sabe se o não foi
igualmente em S. Sebastião,aqui à saída da vila, quando se toma a antiga
estrada dos Geraldos, direito ao olival.
Certo é que em 1510,segundo as crónicas, esta ultima capela,
feita de pedra e barro e com altar de
taipa, coberta por telha vã e habitada
por um só santo esculpido em pau, estavam já, ela e o morador a ceder ao peso
dos anos, mostrando sinais evidentes da
antiguidade de ambos.
Em cada vinte de Janeiro, lá acorria toda a vizinhança deste
lugar para rezas e pagamento de
promessas anuais feitas ao santo mártir. Fitas, azeite e depois velas de muitos
tamanhos e feitios, lá ficavam em acção de graças pelos benefícios vindos
através das suplicas . Muitos fregueses, fazem freguesia e a freguesia encanta
os comerciantes que à margem da fé, mas aproveitando-se dela, lá iam também
para armar a esparrela .
Deste jeito ou doutro idêntico , nasceu naquele lugar um
arraial, um mercado, uma feira.
Lugar de fé e de venda.
Arredia da vila, a meia ladeira de um cerro, em sítio
descampado como também convinha para o maior negócio que ali se fazia.
Porcos aos milhares, gordos com a bolota de todos os
montados das redondezas, para ali convergiam e aguardavam que os negociantes os
comprassem às varas.
Ao redor do santo estendia-se um mar de lombos pretos,
deitados, arriados pelo peso das
arrobas de carne postas na engorda e pelo cansaço das léguas andadas no
caminho. No ar , misturava-se um cheiro intenso com um
grunhido ensurdecedor. Os
porcariços andavam numa fona, despejando gorpelhas de palha e saquilhadas de
cevada no chão. Depois corriam com os caldeirões para as bicas para encherem os
maceirões de água que não aturavam .
È tempo de matança e também a gente das redondezas mais
desafogada vinha ao santo comprar o que
no chiqueiro não tinha. Depois lá iam a caminho de casa atrás de um porco
,seguro por uma corda laçada na pata.
Mas nesta ocasião, é tempo de plantio de arvoredo. Tudo o
que numa horta convém ter, aqui ainda se encontra. Também para os quintais ,as
laranjeiras e os limoeiros é sempre bom ter. Para dispor nas leiras, braçados
de cebolinho .Para a vinha ou para pôr num alegrete, vende-se o bacelo de
qualidade.
Nesta ocasião, vendiam-se calendários, almanaques, bordas
d´água e pagelas com décimas feitas a propósito da ultima desgraça ou de alguma
marotice intemporal.
À abrigada da igrejinha, estendiam-se toldos onde várias
carroças serviam de venda e despejavam garrafões e garrafões do novo. Depois
à vinda, ao levantar da feira,
desfilavam bebedeiras de ladeira a baixo, homens sem negócio que iam de gangão
e algibeiras vazias.
Mas neste dia come-se pau roxo.
Vende-se aqui e no Santo Amaro em Almodovar, não vi noutra
banda.
Cenouras grandes e tintas como a beterraba. Eram aos montes
,agora são contrabando, mas mesmo assim, a feira ainda é delas.
Compra-se uma ou duas, por graça. Os moços já não gostam e
os mais velhos não têm dentes que as rilhem. Nesta maré era o petisco corrente
nas tabernas. Em casa comiam-se cruas, às rodelas, com o mesmo jeito dos
rábanos e havia quem as cozesse e temperasse com vinagre. Guardavam-se também
para o tarde em frasquinhos como os
picles.
A moçada aproveitava para fazer o abastecimento de
estalinhos, bombas, bichaninhas, pedorreiras, serpentinas e papelinhos.
Compravam-se bisnagas de água e com as bicas mesmo ali à
mão, mesmo que não chovesse, voltavam da feira como pintos.
De casa muitas vezes já se traziam bexigas de porco
,sopradas e atadas com linha de meia.Com um alfinete na ponta, penduravam-se à
socapa nas costas dos passantes. Eram os "rabos".Também se faziam de
papel recortado. E punham-se escritos da mesma maneira Tinha graça. Toda a gente ria.
Embora sem porcos, sem tanta promessa nem tanto pau roxo,
o" santo" ainda é hoje um mercado de tradição onde lado a lado com a
venda de cassetes se compram chocalhos e coleiras para o gado ,vendem-se
farturas mas também se encontra o que faz falta para plantar na horta.
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